quarta-feira, 8 de abril de 2015

Entre a mão e o remo


Há muito tempo eu praticava uma arte oriental. Sentia-me de tal modo realizado que, certa vez, disse ao professor: quando praticava, sentia meu corpo repleto de sensações, e tinha uma admirável consciência do que ocorria em volta: minha respiração, a dos colegas, as pessoas lá fora, o burburinho dos carros, o vento, o roçar das folhas, a cigarra... Perguntei sobre o que se tratava, mas no fundo sabia a resposta. O professor disse que isso era um estado profundo de meditação.

No fundo, eu bem sabia que tal satisfação não era inteiramente correspondente a um "estado profundo". Muito tempo depois, descobri que, segundo a tradição budista por ex., quando alguém se torna Arahant, ou atinge estados mentais privilegiados - não raramente sob considerável esforço -, não "volta" mais, não "regride".

Comigo ocorreu bem o inverso, pois várias foram as vezes em que regredi. Hoje tenho uma biblioteca filosófica imensa, lindas edições da Bíblia. Caso deseje "outras" sabedorias, ao lado está o Majjhima-Nikaya, as Cartas de Sêneca a Lucílio e tantas outras referências sábias.

Mas, mais do que isso, restou muita indecisão e incerteza.

Outra vez - tempos depois -, eu apreciava o poente após as vésperas trapistas. Havia uma grande vista para o horizonte e ventava muito. Eu pensava sobre Deus, sua existência e esplendor, e tentava compreender tudo aquilo. Havia algo dentro de mim, fora de qualquer discurso. Então surgiu um monge e tive um diálogo sobre "Pan-enteísmo" e outras perfumarias teológicas com ele. Ao fundo, o vento soprava...

Outros ventos sopraram, tantas outras vezes. No Mont Saint-Michel, junto a uma transformadora peregrinação meditativa. Ou quando aprendi sobre o budismo e suas "quatro nobres verdades", tão simples, e ao mesmo tempo tão complexas.

E cá estou. O vento agora é de um ar quente, sua suavidade e frescor são mais raros. Perco-me em redemoinhos de pensamento, retornando ao momento presente após tempos de procupação nos quais permaneço totalmente alheio a mim mesmo. Quando percebo, estou sufocado, mas já me foge o processo de sufocamento. Recorro a filosofias novas e antigas como um náufrago bate as mãos para encontrar tábuas no mar.

Mas as tábuas se perdem, um novo turbilhão me assalta e apenas consigo entrever a mim mesmo outra vez depois de outras penas.

Hoje mesmo pensava em tais repetições. A ponto de me moverem a escrever tal texto. Surpreendente lamúria. Volta que não encontra apoio, mão que não encontra a tábua ou o remo. Quem sabe, mais longe do objetivo do que qualquer coisa imaginável. Quem sabe, quem sabe.

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